sábado, 24 de maio de 2008

Narração

Ele estava deitado em sua cama, olhando para o teto, pensando em tudo e nada ao mesmo tempo. Ele admirava a auto-capacidade de conseguir desligar sua cabeça de todo mundo físico e abstrato, e se transportar para o “limbo”, que era como ele chamava o estado de transe que ficava olhando para o nada e pensando em nada, como se estivesse em modo “stand by” do mundo. Algo o puxou do limbo de volta para sua cama.

“Quelqu’un a frappé la porte”. Foi o que ele pensou quando ouviu batidas na porta de seu pequeno e desorganizado quarto alugado. “Por quê diabos o pensamento veio em francês?” , essa era a preocupação dele, se abstendo das batidas insistentes que vinham da entrada de sua “kit”, como ele chamava. Levantou-se lentamente da cama, como se agisse contra a vontade de seu corpo, esse último, tratado como se tivesse vontade própria, não gostava de ser contrariado. Não foi caminhando, foi se arrastando, como se estivesse sob o sol de quarenta e três graus do deserto do Saara, e como se caminhasse de Oiapoque à Chuí. Chegou até a porta. A pessoa lá atrás, já estava a ponto de derrubá-la. Talvez derrubá-lo, pela impaciência que demonstrava ao bater.

Ele abre a porta sem o mínimo de vontade. Um estranho estava lá. Não era apenas estranho por nunca tê-lo visto, mas um estranho por... Pelo simples fato de ser estranho. Não era como as outras pessoas, fúteis e vazias, que estava acostumado a ver. Era diferente. E ele ficou estático, olhando aquele rosto impaciente, na verdade aquela boca, que de ímpeto, começou a falar descontroladamente. “Qui c’est?!”.

Uma pergunta pertinente até o momento. Mas de fato, quem era?

Aconteceu que naquele mesmo dia Tomás tinha um grande problema. Tinha um trabalho de arte brasileira contemporânea pra fazer. Tinha que entrevistar um artista plástico brasileiro, de preferência, que morasse próximo a ele. Desesperado com a situação, quase soltou um palavra feia quando ouviu sobre o trabalho. “Onde é que eu vou encontrar um artista plástico nessa budega de lugar? Se pelo menos eu ainda estivesse na Europa, eu não ia ta com esse problema agora.” E saiu desesperado. O que fazer? Correr para o Museu da cidade, talvez lá encontraria alguém que pudesse ajudá-lo. E encontrou. O único problema foi que a ajuda não saiu bem como ele esperava. Na realidade, por culpa dele e de sua preocupação por motivos tolos, errara o endereço que ouvira da funcionária do museu. Inverteu o número do apartamento. E foi. Foi irritado com tudo e com todos, afinal, ele tava perdendo a sua tarde de sábado, tarde em que a única coisa que importava do mundo era teoria literária, para ir fazer bendito trabalho sobre arte num projeto de país. “Esse país não tem nada a oferecer no campo artístico, só lixo”. Isso era o que ela pensava. Pensava baseando-se que insistiam em chamar funk e hip-hop de arte, sendo que para ele não passava de “lixo cultural”.

Mas sua menção era mais do que importante qualquer coisa, e tinha que achar esse bendito artista. Ele, Tomás, saiu correndo do museu, quase pegou uns três postes no caminho, mas chegou ao endereço que lhe foi dado. Bateu na porta, não foi bateu mais e mais, estava decidido a bater até que alguém aparecesse, precisava conversar com esse homem. Enquanto batia pensou repentinamente “Droga, esqueci de pegar o nome da pessoa! E agora?” Isso só p motivou a bater cada vez mais forte. A porta se abriu. Ele começou com todo seu interrogatório, sem nem se preocupar com quem era de fato, e sim com o que “aquilo” era em potencial: seu trabalho de artes.

De repente viu que a pessoa estava lá, em sua frente, totalmente estática. Só quando notou isso, voltou a si. E de repente, um sentimento que ele nunca havia sentido tomou conta de seu ser. Foi uma espécie de admiração, misturada com receio, misturada com vergonha. Um misto de sentimentos, resultando num novo e único. E passou a olhar aquele ser magro, de olhos fundos que estava ali, parado, a poucos centímetros dele. Esse silêncio de 15 segundos pareceu, para ambos, durar meses, talvez anos. Tomás desviou o olhar do rapaz que estava em sua frente e começou a reparar no ambiente: um chiqueiro, mas o cativava. A sensação estranha só se prolongava, mas a cada segundo, a admiração e uma atração esquisita crescia dentro dele. Queria entrar lá. Ele não conseguia entender porquê, mas queria.

Voltaram a si. E Tomás, mais calmo e envergonhado, falou o motivo de sua ida até lá. O rapaz que o atendeu falou que não sabia do que se tratava, que ele não era artista e nem conhecia nenhum. Tomás teve um desejo repentino de ir embora, se despediu rapidamente, talvez até grosseiramente do rapaz, e saiu do prédio, desnorteado. O rapaz ficou na porta, reesperando por algo. Algo que ele esperara a vida inteira, e que foi embora tão rápido. Algo que tocou incompreensivelmente o fundo de sua alma. Algo que tinha certeza que se fosse acontecer de novo, demoraria tanto quanto demorou para acontecer a primeira vez. E ficou lá por muitos instantes, olhando fixamente os degraus.

Tomás ficou pensando sem parar no que lhe havia acontecido. Queria entender tudo, pensava no quão não-racional foi toda a situação, sendo que ele gostava de se gabar, dizendo que era a pessoa mais racional que conhecia. Não achava explicação também em porque não parou de pensar no acontecido.

Os dois seguiram suas vidas medíocres. Mas nenhum nunca se esqueceu do outro. E essa sensação durou até o fim dos dias de cada um.

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